Entrevista com Robert Pollard, em abril de 2004, para o site da Trama.
Vocês estão de volta à Matador depois de dois discos para a TVT Records. Como você se sente?
É muito bom estar de volta. Sempre nos consideramos uma “banda da casa” na Matador. Eu fiquei lisonjeado no momento em que eles nos pediram para voltar quando surgiu a oportunidade. É bom voltar para casa. Eles são o tipo da gravadora que deixa o artista fazer exatamente o que ele quer fazer. Acho que é como uma segunda vida. Houve uma nova injeção de sangue no Guided by Voices. Em primeiro lugar porque consegui juntar a banda que eu queria, e depois porque voltamos a fazer as coisas do jeito que gostamos.
Isso significa que a TVT impôs algumas coisas à banda?
Houve um pouco de imposição. Eles sempre tiveram entusiasmo pela banda, sempre nos apoiaram, sempre acreditaram que tínhamos o potencial de vender um milhão de discos, e eu gostei muito disso. Mas, por um motivo ou outro, isso não aconteceu. Nós tivemos que nos comprometer com algumas coisas, tivemos que deixar algumas pessoas nos dizerem o que deveríamos fazer. A mão deles surgia em todos os aspectos da criação, da sequência de músicas até a arte do disco. Eles queriam ser parte disso tudo. É algo que eu não gosto.
Muitos fãs reclamaram destes dois discos.
Muitos gostaram, muitos não gostaram. A verdade é que, como em todos nosso discos, o negócio são as músicas e não a maneira como ele é gravado. Mas as pessoas reclamaram da produção destes discos e eu fui uma delas. Gosto dos discos, mas eles ficariam melhores se nós os produzíssemos. Não quero desmerecer os produtores, mas eles são contratados pelas gravadoras e fazem o que as gravadoras querem que eles façam. É lógico que vão tornar os discos mais acessíveis para as rádios. E, ás vezes, especialmente agora, o que é acessível para o rádio não é tão bom. Gosto de um som mais cru.
Vocês já têm um próximo álbum pronto, não?
É verdade. Já temos um novo disco que vai chamar “Earthquake Glue”.
Como é o disco?
Ficamos muito empolgados com ele. É mais direto que o “Universal Truths and Cycles”. É mais convencional, com canções pop de três minutos, sabe? Mas não deixa de ser diversificado, há diferentes tipos de música. Ele me parece um pouco mais sério. E é bonito. Ainda soa como a gente. Pessoalmente, acho que é melhor que o “Universal Truths and Cycles”. Ele está mais na linha do “Bee Thousand”.
O “Bee Thousand” é muito bom...
Muitas pessoas o consideram nossa obra-prima. Foi feito num período muito legal. Nós tínhamos muitas idéias naquela época, porque estávamos começando a dominar o estúdio de quatro canais. Começamos a ter mais noção do que queríamos fazer e de como queríamos gravar as coisas. Fizemos muitas músicas naquela época.
Depois de todo esse tempo você ainda tem prazer em gravar em quatro canais?
Eu adoro. Mas o que me dá mais prazer é escrever a música. Depois, nunca é tão bom. Mas eu gosto de todo o processo de me juntar com a banda, ensaiar, gravar. E este processo não demora muito para a gente. Acho que é importante tentar gravar o que você compôs o mais rápido possível.
Como foi participar do videoclipe de “Someday”, do Strokes?
Foi um tanto embaraçoso. Não me senti confortável em participar do game-show “Family Feud” que aparece no clipe. Mas o Julian sempre quis participar desse programa. Por outro lado, todos nos divertimos, bebemos, ficamos falando besteira... Acho que a melhor parte do vídeo foi ficar no bar com eles e com o Guns’n’Roses. Foi divertido. Nós ficamos muito amigos e eu tenho muito orgulho deles. Eles estão indo muito bem e merecem.
Você reconhece alguma influência do Guided by Voices no som do Strokes?
Eles têm um som próprio. Mas tenho alguma certeza de que foram um pouco influenciados por nós. Eles fazem boas músicas, o Julian faz boas melodias. Acho que às vezes o som das guitarras e das baterias lembram a gente. Eles têm o quê? Vinte e um, vinte e dois anos? É impressionante o quanto eles são bons com tão pouca idade. Porque eu não era. (risos)
O quanto vocês se acham responsáveis pelo rock alternativo que surgiu depois de vocês?
Acho que influenciamos muitas bandas, mas não tanto quanto o REM ou o Sonic Youth. Ainda que estejamos na ativa há tanto tempo quanto estas bandas, estamos na mídia há bem menos tempo. Fomos uma banda por dez anos antes de qualquer um ouvir falar de nós. O que temos feito inspirou muitas bandas, mas os verdadeiros pioneiros são esses estiveram na mídia por mais tempo, como Pixies, Breeders, Dinosaur Jr, esse tipo de bandas.
Você acha que tem o crédito que merece?
Acho que sim. Eu sei que não vendemos tantos discos quanto outras bandas, mas tudo bem. É lógico que eu gostaria que todo mundo escutasse nossas músicas. Mas estou feliz com número de discos que vendemos e com o fato de conseguirmos excursionar e tocar em clubes. Eu nunca imaginei que isso um dia aconteceria conosco.
Muitas bandas da cena indie brasileira são influenciadas pelo Guided by Voices. O que você acha disso?
É incrível. É demais. É ótimo (risos). Eu fico sem palavras. Eu não sei exatamente o tipo de influência que temos sobre o pessoal daí porque nunca estive aí, mas já escutei algo a respeito disso.
Quando você decidiu abandonar a carreira de professor e virar roqueiro?
Acho que foi em 93. Eu lecionava há 14 anos. Nesse ponto, as pessoas já começavam a se interessar por nós e eu tive a oportunidade de abandonar meu emprego.
Algum ex-aluno já apareceu nos shows?
Já sim. Eu não os vejo mais com tanta frequência, mas no começo eles costumavam ir aos shows. Eles chegavam e gritavam “oi, mr Pollard” (risos). Alguns deles têm bandas hoje em dia. É engraçado. Sou o "mr Rock".
Depois de vinte anos você não fica cansado dos shows, ensaios, entrevistas, etc.?
Às vezes você se cansa. Mas eu amo o que eu faço e entendo que tudo faz parte disto. Eu gosto de encontrar pessoas e conversar com as pessoas, então... eu fico cansado fisicamente, mas não fico cansado do que eu faço.
Você é famoso por ser prolífico, por compor muito e gravar muito. Você tem um controle de tudo o que você grava?
Eu tenho uma caixa enorme repleta de fitas. É enorme mesmo. Tem coisas gravadas em ensaios, gravações no porão, tudo isso. Eu gravo tudo, mas não tenho um controle, só jogo na caixa.
Como você escolhe o que vai lançar?
Eu lanço entre cinco e seis discos por ano, porque eu tenho minha própria gravadora. Tenho muitos projetos paralelos. No que quer que eu esteja trabalhando em determinado momento, eu gravo. Jogo na caixa o que sobra.
Você sabe quantos discos já lançou até hoje?
Se não me engano, o “Universal Truths and Cycles” é o décimo-quarto disco do Guided by Voices, se eu não incluir as caixas, relançamentos, piratas, essas coisas. Temos também entre vinte e trinta EPs e um monte de singles. Acho que fiz entre cinco e seis discos solo e o mesmo número de colaborações. Se você juntar tudo, acho que vai dar uns cinquenta discos.
Qual desses é seu favorito?
Meu favorito é um disco solo chamado “Kid Marine”, mas é um lance pessoal. Entre os do Guided by Voices, meu preferido é o que vamos lançar este ano. Mas gosto muito do “Bee Thousand”, do “Vampire Titus”. Gosto de todos. É como gostar de seus filhos, você tem que gostar de todos.
O que você tem escutado ultimamente?
Completei minha coleção do Alex Chilton e não consigo parar de escutar. Tenho escutado muito mais coisas antigas, Eric Burdon, Kinks, William Shatner. Dos novos, gosto do Strokes, do Shins. Você ouviu o último do Paul Westerberg? É de longe o melhor disco dele. Melhor até que os discos do Replacements.
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