Folha de São Paulo - 20/05/2005
A rapper cingalesa M.I.A., que vem ao Brasil em outubro, vira hit global com "dance" de protesto
Nascida na Inglaterra e criada entre vilarejos no Sri Lanka -terra natal de seus pais-, Maya Arulpragasam, ou M.I.A., como se fez conhecer (sigla do termo militar "missing in action", desaparecido em missão), agora lida com o assédio mundial.
Com apenas uma canção, "Galang", lançada em tiragem de 500 cópias no ano passado, M.I.A. ganhou espaço em festivais como Coachella (EUA), Sónar (Espanha) e Glastonbury (Reino Unido) e fez de seu primeiro álbum, "Arular", um dos mais aguardados deste ano. "Arular" chegou às lojas do exterior em abril e teve aprovação maciça da crítica. Publicações tão diferentes quanto as revistas "XLR8R", "New Yorker", "Uncut", "Fader" e o jornal "Sunday Times" festejaram o disco.
"Arular", que também vem ao Brasil em junho (Sum Records), é munido de batidas tão cruas quanto inventivas, e M.I.A. se vale de elementos do rap, jungle, dancehall, grime, bhangra e funk carioca para levar à pista de dança seu discurso. Nada mal para quem começou a fazer música há apenas três anos.
E mais: os brasileiros terão a chance de vê-la ao vivo no Tim Festival (entre 21 e 23 de outubro, no MAM do Rio). De San Francisco, M.I.A. falou à Folha.
Folha - Você nasceu na Inglaterra, foi ainda bebê para o Sri Lanka, viveu também na Índia e, com 11 anos, voltou à Inglaterra. Como isso a influenciou?
M.I.A. - Acabei me acostumando e fui obrigada a gostar dessas mudanças. Tive que deixar de encarar isso como algo ruim. Onde quer que me levassem para viver, eu viveria. Em termos culturais, você tem que se adaptar. No fim das contas, aprendi a não me apegar ao meio em que vivo, aos bens materiais e às minhas coisas. Pensando no meu trabalho, sinto que tenho acesso a qualquer coisa neste planeta. Acredito que, se Deus me colocou em todos esses lugares, tento lidar com essas diferenças culturais, saber apreciá-las e refleti-las em meu trabalho. A música me deu uma identidade.
Folha - Seu pai foi do movimento revolucionário Tigres Tamil, não?
M.I.A. - Ele tinha seu próprio movimento. Quando a população tamil lutava pela independência em relação ao Sri Lanka, o que acabou resultando na guerra civil do país, havia quatro movimentos separatistas, entre eles o Eros, do qual meu pai fazia parte. Eles trocavam informações entre si e treinavam um ao outro.
Folha - Seu pai chegou a pegar em armas?
M.I.A. - O Eros era uma organização revolucionária estudantil. Eles passaram um manifesto que pregava a inteligência e a articulação como armas para sua luta. Queriam atingir seu objetivo de maneira não violenta. Mas as coisas não aconteceram dessa forma. O Exército passou a invadir as vizinhanças mais pobres, matar pessoas, incendiar vilarejos. Os atingidos eram pescadores, trabalhadores rurais, gente humilde mais ligada aos Tigres. Enquanto meu pai e os estudantes buscavam o entendimento, os Tigres tinham suas famílias assassinadas e decidiram revidar. Com a revolta popular, os Tigres cresceram e absorveram os outros movimentos.
Folha - Ele ainda está vivo?
M.I.A. - Sim, hoje é escritor e ainda vive no Sri Lanka.
Folha - Por que batizar seu primeiro disco com o codinome dele?
M.I.A. - Enquanto meu pai lutava, minha mãe também enfrentava um outro tipo de luta, a de ser uma mãe solteira não tão educada em um novo país. Nós vivíamos sem praticamente nenhum dinheiro. Sobre meu pai, eu ouvia os outros dizendo que era um grande homem. Mas tudo o que eu sabia era o que eu lia a seu respeito. Quando se escrevia sobre ele, se utilizava o codinome Arular. Para mim, esse nome ganhou características místicas. Enquanto isso, minha mãe dizia: "Tudo o que ele deixou para você foi um nome. Esse homem mal sabe o seu nome". Depois que cresci, decidi que queria transformar esse fato em algo positivo. Se tudo o que meu pai me deixou foi um nome, vou usá-lo. Quando eu buscava por Arular na internet, caía em uma foto do meu pai no site dos Tigres Tamil.
Folha - Você parece concordar com a feminista Emma Goldman, que disse: "Se eu não puder dançar, então não é minha revolução".
M.I.A. - Qualquer revolução deve acontecer em favor das pessoas, deve partir das pessoas para as pessoas. A dança é uma das expressões mais primitivas do ser humano. Se você não consegue fazer música que se conecte com as pessoas, que as faça se mexer, por que perder tempo fazendo?
Folha - Você esperava gerar tanta repercussão?
M.I.A. - Não sei o que eu esperava. Na verdade, não esperava nada. Descobrir a música foi descobrir uma nova linguagem.
Folha - A descoberta é recente?
M.I.A. - Comecei a fazer música há três anos. Cada passo que tenho dado é completamente novo. Excursionei registrando em vídeo uma turnê do Elastica com a Peaches, de quem eu ganhei meu primeiro teclado. Pensava que, se fizesse música, teria acesso a 500 pessoas por dia, para quem poderia dizer coisas que eles nunca teriam ouvido antes. Não pensei mais nisso por uns três anos. Fui ao Sri Lanka, fiz uma exposição que foi muito premiada... Então voltei a conviver com o pessoal da música e comecei a compor.
Folha - A faixa "Bucky Done Gun" é inspirada no funk carioca. Como ela foi feita?
M.I.A. - Eu estava com meu álbum praticamente pronto, mas ainda queria incluir algumas músicas. Naquele momento, achava que sabia tudo de música. Então escutei uma mixtape do Diplo e achei incrível. Não queria fazer mais nada a não ser ficar limpando meu apartamento escutando funk carioca. Tudo o que eu gosto em música estava lá. Levei o CD para algumas pessoas de Londres escutarem, e eles acharam meio cafona. Amei até o fato de essas pessoas acharem brega. Esse lance está tão à frente de tudo que as pessoas ainda não entendem.
M.I.A. - Na Jamaica, quer dizer "vá adiante". Também é um tempero tailandês e um campo de refugiados no Camboja...
Nenhum comentário:
Postar um comentário